
Técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiram um alerta sobre os riscos decorrentes da decisão de acelerar a análise de canetas emagrecedoras concorrentes do Ozempic. Segundo esses técnicos, essa medida pode comprometer a avaliação e aprovação de medicamentos considerados prioritários, como aqueles destinados ao tratamento de câncer, epilepsia refratária, Parkinson avançado e atrofia muscular espinhal (AME).
Esse alerta foi divulgado em notas técnicas internas elaboradas em agosto, antes da publicação do edital que estabeleceu a priorização dos medicamentos à base de liraglutida e semaglutida, que são os princípios ativos presentes em medicamentos como Saxenda e Ozempic. Os documentos ressaltam que a alteração na ordem de análise pode relegar a segundo plano outros pedidos, mesmo que tenham alta relevância clínica e representem impacto importante para a saúde pública.
Além disso, os técnicos destacam que acelerar a aprovação dessas novas canetas emagrecedoras não garante o acesso imediato a esses medicamentos, tampouco resolve questões como falsificação, manipulação irregular e desabastecimento. Conforme uma das notas internas, essa ideia de priorização não assegura nem mesmo a disponibilidade desses remédios no mercado.
Procurada para esclarecer o tema, a Anvisa informou que os documentos técnicos tiveram o objetivo de avaliar todos os aspectos relacionados à intervenção regulatória e que os riscos foram cuidadosamente considerados antes da decisão final. A agência também afirmou que estabeleceu um limite para a quantidade de processos priorizados a fim de evitar prejuízo à análise de outros medicamentos. A Anvisa ressaltou ainda que possui regras que garantem a priorização de produtos destinados a doenças graves, raras e emergências em saúde pública.
A capacidade operacional da Anvisa foi reconhecida como um desafio, que vem sendo enfrentado por meio de reorganização de processos, investimentos em tecnologia e reestruturação da equipe técnica. Até o momento, a agência priorizou 20 canetas emagrecedoras e planeja se manifestar sobre os pedidos das farmacêuticas EMS, Megalabs e Momenta até o final de 2025.
As notas técnicas internas também expressam preocupações com os efeitos da priorização ampla, que pode gerar questionamentos por parte da indústria e da sociedade, além de insegurança jurídica. Uma das análises indica fragilidade conceitual nos argumentos para acelerar as aprovações, especialmente relativos à concentração de mercado e risco de desabastecimento. Os documentos destacam que a baixa concorrência ocorre principalmente porque parte dos princípios ativos dessas canetas ainda está protegida por patentes, configurando um monopólio legal e não um problema regulatório.
Os técnicos defendem que o combate à falsificação deve ser realizado por meio de fiscalização sanitária e repressão, e não apenas pela introdução de novos produtos no mercado. Além disso, alerta-se que as cópias aprovadas provavelmente não seriam competitivas em preço frente aos medicamentos falsificados.
O principal receio identificado é que a força-tarefa para a análise dessas canetas emagrecedoras sobrecarregue os setores responsáveis pela aprovação de medicamentos inovadores, o que pode atrasar terapias importantes para doenças graves e com poucas opções disponíveis, como câncer colorretal metastático, epilepsia farmacorresistente, esclerose múltipla secundária progressiva, Parkinson em estágio avançado e AME.
Diante disso, as áreas técnicas manifestaram-se contra uma priorização ampla e recomendaram limitar a análise para no máximo três pedidos por semestre, sugestão adotada pela direção da Anvisa.
Esse assunto gerou debate entre entidades do setor farmacêutico. Interfarma e Sindusfarma criticaram a medida, destacando riscos de insegurança jurídica e atrasos em outras análises regulatórias. Por outro lado, a PróGenéricos defendeu a priorização citando o crescimento expressivo da demanda e o interesse público excepcional. O Ministério da Saúde também apoiou a priorização como forma de reduzir a dependência tecnológica externa e fortalecer a indústria nacional, num cenário em que cresce o uso das canetas para fins estéticos, motivo que preocupa associações médicas.