
Cabaceiras, município do Cariri Paraibano conhecido nacionalmente como a “Roliúde Nordestina”, voltou a conquistar destaque internacional ao ser tema de uma reportagem especial do jornal The New York Times, um dos veículos mais prestigiados do mundo. A matéria, intitulada “Brazil’s Answer to Hollywood: A Sleepy Town of Dreams and Droughts” — traduzida livremente como “A Resposta do Brasil à Hollywood: Uma Cidade Sonolenta de Sonhos e Seca” —, foi escrita pela jornalista e colaboradora Ana Ionova e oferece uma análise aprofundada sobre a relação histórica entre Cabaceiras e o audiovisual, explorando também sua economia criativa, seus símbolos culturais e os desafios enfrentados no presente.
Encravada em uma paisagem de colinas áridas e vegetação típica da caatinga, Cabaceiras chama atenção não apenas pela geografia singular, mas pelo emblemático letreiro “Roliúde”, instalado no alto de um morro e inspirado no famoso símbolo de Hollywood, nos Estados Unidos. A placa funciona como cartão-postal e como reafirmação do lugar que a cidade ocupa no imaginário cinematográfico brasileiro. Com pouco mais de cinco mil habitantes, o município construiu, ao longo de quase um século, uma identidade cultural fortemente associada à produção audiovisual.
Desde 1929, Cabaceiras já serviu de cenário para mais de 50 produções, entre filmes, séries e documentários. Obras que marcaram gerações — como O Auto da Compadecida, um dos maiores clássicos da dramaturgia nacional, e a série Cangaço Novo, da Amazon Prime Video — foram gravadas ali, fortalecendo o status da cidade como um dos polos cinematográficos mais importantes do Nordeste. A estética do sertão, sua luz natural, a arquitetura simples e os costumes locais transformam o município em um palco natural para narrativas que dialogam com a cultura e a história regional.
A reportagem do The New York Times não só reconhece essa relevância artística como também destaca o impacto econômico que o cinema traz para a população local. Em Cabaceiras, a indústria audiovisual não é apenas glamour: é fonte de renda, emprego e oportunidade. Moradores são frequentemente contratados como figurantes, atores, motoristas, cozinheiros ou fornecedores de serviços. O aluguel de propriedades rurais, animais — como cavalos e cabras — e equipamentos também impulsiona a economia de famílias que, há gerações, participam dessas produções. Segundo o jornal, até papéis pequenos podem gerar renda significativa: um figurante sem falas pode receber cerca de 30 dólares por dia, enquanto uma fala simples pode render até 300 dólares, valor superior ao salário mínimo vigente no Brasil, o que demonstra a importância social do audiovisual na região.
No entanto, a matéria também dedica espaço aos desafios contemporâneos que afetam o futuro das filmagens em Cabaceiras. As mudanças climáticas, com secas cada vez mais severas, e o avanço tecnológico — que substitui locações reais por cenários digitais — representam ameaças concretas à continuidade da intensa atividade cinematográfica no município. A paisagem do sertão, elemento tão valorizado por produtores, está em transformação, e isso pode alterar a dinâmica das filmagens ao longo dos próximos anos.
Apesar das adversidades, Cabaceiras segue sendo celebrada por instituições nacionais. A Embratur, responsável pela promoção do turismo brasileiro no exterior, reconhece o município como um dos principais destinos do turismo audiovisual no país. A combinação entre história, natureza única, tradição cultural e presença constante nas telas atrai visitantes brasileiros e estrangeiros que buscam conhecer o cenário original de produções consagradas, fortalecendo ainda mais a economia local.
Ao evidenciar o talento, a criatividade e a resiliência dos moradores diante de transformações ambientais e tecnológicas, a reportagem do The New York Times reforça a força simbólica de Cabaceiras. Trata-se de uma comunidade que, mesmo diante das secas e das dificuldades do sertão, encontrou no cinema uma forma de expressão, de desenvolvimento e de sobrevivência. Assim, a “Roliúde Nordestina” reafirma seu papel no cenário cultural brasileiro e internacional, mantendo viva uma tradição que mistura arte, identidade regional e histórias que ecoam além-fronteiras.
Dessa forma, Cabaceiras segue sendo não apenas um cartão-postal do Cariri Paraibano, mas um território fértil de narrativas, onde o sertão se transforma em palco de grandes produções e onde a cultura local se perpetua por meio das lentes de cineastas e do olhar curioso de visitantes do mundo inteiro.