
As primeiras vistorias em cemitérios, realizadas pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos durante a ditadura militar no Brasil, marcaram um importante avanço na busca por justiça e identificação de vítimas desse período sombrio da história nacional. Vera Paiva, filha do ex-deputado federal Rubens Paiva e da advogada Eunice Paiva, esteve presente em uma audiência pública no Recife nesta quinta-feira (13) e compartilhou sua perspectiva sobre o trabalho da comissão, que foi retomado em agosto de 2024.
As diligências começaram no Recife, com vistorias nos cemitérios da Várzea e de Santo Amaro, iniciadas na terça-feira (11). Vera Paiva relembrou o depoimento do coronel Paulo Malhães à Comissão da Verdade em 2014, onde o militar admitiu sua participação em torturas e execuções. Ela enfatizou que a tortura e o desaparecimento visavam causar terror em familiares e amigos das vítimas.
A busca pelos restos mortais está sendo conduzida por uma equipe especializada, que segue um roteiro para identificar locais onde corpos de perseguidos políticos possam ter sido sepultados ou ocultados. Essa ação conta com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
A primeira comissão e o legado de Eunice Paiva
A primeira Comissão de Mortos e Desaparecidos foi formada em 1995, com a participação de Eunice Paiva, que lutou incansavelmente pela verdade sobre o destino de seu marido, Rubens Paiva, desaparecido desde 1971. Após 25 anos de busca, Eunice recebeu o atestado de óbito de Rubens em 1996. O filme “Ainda Estou Aqui”, que retrata essa história, foi indicado ao Oscar em três categorias, incluindo Melhor Filme.
Vera Paiva, uma das sete integrantes da atual comissão, destacou a complexidade emocional do trabalho e a importância de manter viva a memória das vítimas da ditadura. Ela afirmou que a luta pela verdade é essencial, especialmente em tempos de crescente autoritarismo.
Motivos para iniciar os trabalhos no Recife
De acordo com a presidente da comissão, Eugênia Augusta Gonzaga, o Recife foi escolhido para dar início às diligências devido ao alto número de desaparecidos relacionados ao estado e à rica documentação histórica disponível. Ela informou que 51 pessoas ligadas a Pernambuco foram documentadas como desaparecidas ou mortas durante a ditadura.
Samuel Ferreira, coordenador científico da comissão, revelou que 18 desaparecidos políticos foram mapeados nos cemitérios da cidade, sendo nove relacionados ao Cemitério de Santo Amaro e nove ao Cemitério da Várzea. A equipe baseou suas investigações em registros de óbito e entrevistas com funcionários dos cemitérios.
- Cemitério de Santo Amaro:
- Amaro Luiz de Carvalho
- Anália de Souza Melos Alves
- Evaldo Luiz Ferreira de Souza
- Ivan Rocha Aguiar
- João Mendes Araújo
- Jonas José de Albuquerque Barros
- Luiz Gonzaga dos Santos
- Odijas Carvalho de Souza
- Raimundo Gonçalves de Figueiredo
- Cemitério da Várzea:
- Antônio Henrique Pereira Neto
- Eudaldo Gomes da Silva
- Evaldo Luiz Ferreira de Souza
- Gildo Macedo Lacerda
- Jarbas Pereira Marques
- José Carlos Novaes da Mata Machado
- José Manoel da Silva
- Pauline Philipe Reichstul
- Paulo Stuart Wright
- Soledad Barrett Viedma
Além da audiência pública na OAB-PE, a comissão realizou um ato em homenagem à militante Soledad Barrett Viedma, uma das desaparecidas políticas, que foi morta pela ditadura em 1973.
Possibilidade de reanálise do caso de Juscelino Kubitscheck
Eugênia Gonzaga também mencionou a possibilidade de reabrir as investigações sobre a morte do ex-presidente Juscelino Kubitscheck. A relatora do caso, a historiadora Cecília Dão, está analisando novos documentos para verificar se há informações relevantes que justifiquem a reabertura do caso.
Atualmente, a comissão possui uma lista com 434 nomes de desaparecidos e está discutindo a reabertura de investigações, com uma reunião agendada para maio em Porto Alegre. Eugênia ressaltou que a criação da comissão em 1995 envolveu negociações com os militares, e que o reconhecimento de vítimas da ditadura deveria ser um direito inalienável, independentemente de militância política.
O debate sobre a reabertura de casos e a busca pela verdade histórica continua sendo uma prioridade para a comissão, que luta para que a memória das vítimas não seja esquecida.