
Na última segunda-feira (26), durante uma coletiva de imprensa na sede do Ministério Público da Bahia, foi anunciada uma importante descoberta arqueológica em Salvador. Arqueólogos que atuam no antigo cemitério de escravizados, localizado no estacionamento do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré, encontraram as primeiras ossadas do local.
A coordenadora do projeto, a arqueóloga Jeanne Dias, ressaltou que essas ossadas são fundamentais para aprofundar os estudos e reconstruir a história cultural e espiritual de uma área que esteve esquecida por 180 anos. “Estamos muito felizes com a localização das ossadas dos remanescentes das comunidades negras, no antigo Cemitério do Campo da Pólvora. Poder discutir e debater sobre a trajetória e a vida dessas comunidades, que foram trazidas de maneira forçada da África para trabalhar no Brasil, é um grande avanço”, afirmou.
Os primeiros restos mortais encontrados incluem ossos largos e dentes, que estavam enterrados a cerca de 2,5 metros de profundidade, em um solo ácido e úmido. Devido à fragilidade das ossadas, elas passarão por um tratamento de conservação. Essa descoberta confirma a existência do maior cemitério de escravizados da América Latina, onde é possível que estejam enterrados os restos mortais de mártires das Revoltas do Malês e da Revolta dos Búzios.
As escavações começaram no dia 14 de março, coincidentemente no 190º aniversário da Revolta dos Malês, o maior levante de escravizados da Bahia, ocorrido em 1835. A localização do cemitério foi identificada durante a pesquisa de doutorado da arquiteta Silvana Olivieri, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Em sua análise, ela sugere que os mártires da revolta dos Malês, assim como participantes da Revolta dos Búzios e da Revolução Pernambucana, possam estar enterrados no local.
Além disso, registros indicam que indígenas, membros da comunidade cigana e pessoas que não podiam arcar com os custos de um enterro também foram sepultados ali. O número total de corpos na área ainda não é conhecido.
Silvana Olivieri utilizou diversos mapas e documentos históricos do século 18 para identificar a localização do cemitério. O local foi inicialmente administrado pela Câmara Municipal e, posteriormente, pela Santa Casa. Os sepultamentos eram realizados em valas comuns e superficiais, muitas vezes em condições precárias e sem cerimônias religiosas.
A descoberta do cemitério foi apresentada à Santa Casa em setembro de 2024, mas sem retorno. Em dezembro, Olivieri e o advogado Samuel Vida recorreram ao Ministério Público da Bahia, que interveio na situação. As escavações foram finalmente liberadas em março deste ano, trazendo à tona um capítulo importante da história que havia sido apagado tanto da paisagem quanto da memória da cidade.