
A indústria pesqueira do Brasil, especialmente no Ceará, enfrenta desafios significativos devido a um aumento de tarifas que afeta a exportação de pescados. Em 2024, o Ceará alcançou um marco ao exportar US$ 93,8 milhões em produtos do mar, consolidando-se como o estado com o maior valor exportado do país, segundo dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).
Os principais produtos exportados incluem lagosta, atum e peixes vermelhos, como pargo, cioba e guaiúba, que foram enviados para 44 países, com os Estados Unidos sendo o principal mercado, absorvendo 46,85% do total, o que representa US$ 52,8 milhões. Essa concentração de exportações gerou preocupação no setor, especialmente em meio às discussões sobre a sobretaxa de 50% imposta pela administração de Donald Trump a diversos produtos brasileiros.
No comércio bilateral entre os EUA e o Ceará, a pesca ocupa a segunda posição, logo após ferro e aço, e a dependência do mercado americano torna o setor vulnerável a essas novas tarifas. Apesar de seu potencial exportador, a indústria pesqueira cearense ainda depende de embarcações pequenas e tecnologia limitada.
Cerca de 32 mil pescadores artesanais estão na base dessa cadeia produtiva, sendo que quase 90% deles têm uma renda mensal inferior a R$ 1.045. A maioria dos pescadores é composta por homens com baixa escolaridade, que frequentemente trabalham em barcos de pequeno e médio porte, pertencentes a terceiros, e vendem sua produção a intermediários, conhecidos localmente como “marchantes”.
Os dados revelam que 88,5% dos pescadores têm uma renda mensal abaixo do salário mínimo, e 60% não completaram o ensino fundamental. A professora Caroline Feitosa, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará, destacou que muitos pescadores relatam conseguir tirar apenas um salário mínimo por mês, mesmo trabalhando em turnos duplos.
A infraestrutura disponível para os pescadores varia conforme a atividade. Aqueles que atendem o mercado interno costumam utilizar embarcações simples, enquanto a pesca de espécies como o atum, voltada para a exportação, é realizada em barcos maiores e mais equipados. No entanto, a maioria das embarcações utilizadas para capturar outros peixes ainda é bastante simples.
O impacto do tarifaço já é sentido, com a suspensão do embarque de 27 contêineres de pescado do Ceará para os Estados Unidos logo no primeiro dia da nova tarifa. Especialistas do setor, como Carlos Eduardo Villaça, presidente do Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), alertam que todos os pescadores serão afetados de alguma forma pela nova taxa.
A presidente da Colônia de Pescadores Z-8 de Fortaleza, Maria Cristina de Sousa, relatou que muitos pescadores estão apreensivos com as possíveis consequências da tarifa e que uma reunião será realizada para discutir a situação.
Os pescadores temem que a pressão dos intermediários resulte em preços ainda mais baixos para o pescado. Felipe Matias, cientista-chefe da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário do Ceará, também alertou para essa possibilidade, onde a indústria poderia tentar reduzir o preço de venda em dólar para compensar a tarifa, afetando diretamente os pescadores.
O governador do Ceará, Elmano de Freitas, anunciou medidas para mitigar o impacto do tarifaço, incluindo a compra de produtos das empresas afetadas, que seriam destinados a programas sociais. No entanto, ele enfatizou que o governo não pagará o preço de exportação dos itens.
A predominância da pesca artesanal no Ceará é resultado de mudanças significativas no ecossistema marinho ao longo das últimas décadas, que levaram à diminuição das populações de diversas espécies. O Brasil, apesar de seu extenso litoral, não possui uma abundância de peixes, o que contrasta com países como o Peru, que, embora tenha menos diversidade, conta com quantidades maiores de pescado.
Matias acredita que o cenário atual pode ser uma oportunidade para o setor diversificar seus mercados, buscando novas possibilidades, como a União Europeia, que suspendeu as compras do Brasil em 2017 por questões sanitárias.