
A Câmara dos Deputados pode votar, ainda nesta manhã, uma proposta que autoriza a vistoria e transferência de veículos de forma totalmente eletrônica. Embora apresentada como avanço na desburocratização, a medida levanta preocupações entre especialistas em segurança digital, que alertam para os riscos de fraude e a ausência de padrões mínimos de proteção ao cidadão.
O destaque, de autoria do deputado Kim Kataguiri, altera o Projeto de Lei 3.965/2021 — cujo mérito foi aprovado na noite desta quarta-feira (28). A proposta prevê que a vistoria possa ser realizada sem presença física de um agente autorizado e permite a transferência digital de propriedade por meio de aplicativos privados, sem necessidade de padrão técnico nacional ou autenticação com fé pública.
Hoje, a vistoria presencial garante maior confiabilidade ao processo ao permitir a verificação técnica de elementos como chassi, placa e documentação. Com a nova proposta, essas garantias seriam substituídas por etapas digitais passíveis de adulteração ou falsificação — como já ocorre em diversos golpes envolvendo veículos.
Especialista em cibersegurança há mais de 30 anos, membro do Fórum Econômico Mundial e CEO da plataforma de validação digital Epicentor, Humberto Luiz Ribeiro considera a proposta um retrocesso em termos de segurança pública:
“Os sistemas digitais não são infalíveis. Nos Estados Unidos, um ataque à CDK paralisou mais de 15 mil concessionárias por três semanas e gerou prejuízos de mais de 9 bilhões de dólares. Isso aconteceu em um ambiente altamente regulado. Imagine o que pode ocorrer no Brasil com soluções privadas sem padrão nacional nem responsabilização jurídica?”, alerta o especialista.
A ausência de um modelo com fé pública torna o processo mais vulnerável, especialmente para públicos já suscetíveis a golpes, como idosos e pessoas com baixa alfabetização digital.
“Eu sou defensor da digitalização e da desburocratização. Mas quando se trata de temas sensíveis para o cidadão, como propriedade de veículos, é preciso mais rigor, não menos”, reforça Humberto.
Segundo ele, qualquer modernização digital precisa atender a dois critérios: confiabilidade da origem e proteção dos dados.
“É preciso saber quem está por trás da solução digital e garantir segurança sobre os dados trafegados. Sem isso, qualquer avanço vira armadilha”, conclui.
O alerta ocorre em meio à repercussão do recente escândalo de fraudes no INSS, que expôs falhas no sistema Gov.br e causou prejuízos superiores a R$ 6 bilhões. Para especialistas, esse é mais um exemplo de como a ausência de autenticação com responsabilidade jurídica — como a fé pública notarial — pode custar caro à sociedade.