
O Nordeste brasileiro retoma o debate sobre o seu futuro a partir de uma perspectiva histórica e atualizada. Mais de 60 anos após a publicação da original Carta do Nordeste, assinada por Celso Furtado em 1959, especialistas, gestores públicos e instituições regionais iniciam um novo ciclo de reflexões. A princípio, a proposta é atualizar o diagnóstico e traçar diretrizes estratégicas para a região no século XXI.
O pontapé inicial aconteceu em Recife, com um seminário promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste (CEDEN). A princípio, o objetivo é construir uma nova carta regional, a ser entregue ao governo federal e aos presidenciáveis em 2026, com foco nas transformações sociais, econômicas e institucionais das últimas décadas.
Um Nordeste mais urbano, complexo e desigual
A realidade de hoje é muito distinta daquela registrada em 1959. O Nordeste contemporâneo é mais urbano, tem uma população em processo de envelhecimento e maior participação em cadeias produtivas nacionais e internacionais. Apesar dos avanços, a região ainda enfrenta profundas desigualdades, concentração de renda e fragilidades institucionais.
Dessa maneira, o documento original de Furtado defendia a industrialização com investimento público como motor de superação do atraso histórico. Embora esse modelo tenha impulsionado o crescimento, não garantiu uma distribuição equitativa dos resultados, como demonstram os dados apresentados pelo economista Adriano Sarquis (FGV).
Concentração econômica continua sendo desafio
Durante o evento no Recife, Sarquis destacou um dado preocupante: a produção econômica nordestina permanece concentrada em poucos municípios. Exemplos:
- Em Pernambuco, 15 cidades representam 71% do PIB estadual;
- Na Bahia, apenas 18 dos 417 municípios concentram a maior parte da economia;
- Em Alagoas, são apenas sete cidades com 70% da produção estadual.
Assim, essa falta de interiorização do desenvolvimento revela que o crescimento está centralizado em polos industriais, logísticos e agrícolas, sem impactos significativos nos municípios menores — uma falha estrutural que a nova carta deverá enfrentar.
Divergências entre os economistas
O encontro também revelou visões divergentes sobre os caminhos futuros da região. Para o economista Alexandre Rands, alinhado à vertente neoclássica, o foco deve migrar para o investimento em capital humano, com ênfase em educação, inovação e governança institucional.
Já para economistas ligados ao pensamento de Furtado, como Tania Bacelar, a indústria segue sendo estratégica para geração de emprego e renda. Reduzir seu peso, segundo ela, pode comprometer a capacidade da região de crescer com inclusão.
Seminários em outras capitais vão ampliar debate
O processo de formulação da nova Carta do Nordeste está apenas começando. Desse modo, novos encontros já estão programados para Salvador (BA) e Fortaleza (CE), com o objetivo de incluir uma diversidade de análises e vozes regionais. Ao mesmo tempo, a construção coletiva do documento busca criar um novo pacto de desenvolvimento para o Nordeste, mais justo, territorialmente equilibrado e alinhado aos desafios contemporâneos.