
Em Messejana, um bairro carente na periferia de Fortaleza, Ceará, uma sinagoga com a fachada adornada por estrelas de Davi e candelabros se destaca entre as casas vizinhas. O local, que antes abrigava uma igreja evangélica, foi transformado na sinagoga Beitel em 2014. Flávio Santos, um dos líderes da comunidade, relata que a igreja foi se tornando “cada vez mais judaica” ao longo do tempo.
Flávio, que cresceu em uma família evangélica e se identifica como negro, representa a trajetória de muitos bnei anussim, termo hebraico que se refere aos judeus forçados a se converter ao cristianismo na Península Ibérica durante o século 15. Esses descendentes reivindicam laços sanguíneos com os judeus sefarditas, que foram convertidos à força e passaram a ser conhecidos como cristãos-novos.
Nos últimos anos, um número crescente de bnei anussim tem retornado ao judaísmo, especialmente em bairros periféricos e pequenas cidades do Nordeste. Esse movimento resultou na fundação de várias sinagogas em locais que anteriormente não tinham presença judaica.
O fenômeno também tem repercussões em Israel, onde alguns convertidos estão vivendo e servindo no Exército, embora enfrentem resistência de comunidades judaicas tradicionais no Brasil.
Transição de Fé
Flávio Santos explica que a comunidade em Messejana começou com uma forte ênfase no Antigo Testamento e, posteriormente, adotou o judaísmo messiânico, que mistura práticas judaicas com a adoração a Jesus. No entanto, em 2018, o grupo abandonou a fé em Cristo e se converteu ao judaísmo ortodoxo, que consideram mais fiel às tradições bíblicas.
Para muitos, a adesão ao judaísmo representa um retorno às raízes ancestrais. Flávio, por exemplo, descobriu possíveis conexões com o judaísmo ao investigar a história de sua família e realizar testes genéticos. Ele notou práticas de sua avó, como o costume de se banhar na sexta-feira à tarde e a recusa em apontar para estrelas com os dedos, que são lembranças das tradições judaicas.
Atualmente, a sinagoga Beitel conta com 45 membros convertidos, com a orientação religiosa sendo feita à distância por um rabino em Israel.
O movimento de retorno ao judaísmo no Nordeste começou a ganhar força na década de 1960, quando católicos começaram a reivindicar laços com a religião judaica. Os primeiros a se identificarem como bnei anussim eram conhecidos como “marranos”, um termo pejorativo que foi ressignificado pelo grupo.
O Crescimento da Comunidade
Recentemente, várias comunidades compostas exclusivamente por judeus convertidos surgiram, com um número significativo de ex-evangélicos entre seus membros. A tradicional Sinagoga Israelita em Recife, fundada em 1926, agora é quase exclusivamente frequentada por bnei anussim.
Esse fenômeno coincide com uma crescente aproximação entre igrejas evangélicas e Israel, além da popularização de testes genéticos que revelam ancestralidade judaica em muitos brasileiros. O movimento também é impulsionado pela oferta de cursos online sobre judaísmo e a história dos judeus e cristãos-novos no Brasil.
Embora não existam dados oficiais sobre a quantidade de convertidos ao judaísmo no Brasil, uma pesquisa de 2021 estimou que cerca de 30 mil bnei anussim se converteram nos últimos anos, e que há cerca de 4 milhões de brasileiros com ancestralidade judaica que ainda não se converteram.
Desafios e Resistências
A sinagoga de Messejana recebeu a visita de um ex-membro que agora serve no Exército israelense. Ele se converteu ao judaísmo recentemente e obteve a cidadania israelense através da aliá, o processo que permite a qualquer judeu se tornar cidadão de Israel. Membros da sinagoga mencionaram que outro ex-frequentador também está no exército israelense.
Em relação ao conflito em Gaza, Flávio Santos expressou que a situação é dolorosa, mas considera a defesa de Israel uma questão de soberania nacional.
A migração de bnei anussim para Israel é uma realidade, embora a maioria ainda permaneça no Brasil. A sinagoga em Tibau, no Rio Grande do Norte, por exemplo, foi fundada em 2014 e tem cerca de 40 membros, todos seguindo as práticas da lei dietética judaica e mantendo tradições sefaraditas adaptadas ao clima tropical.
Identidade e Pertencimento
A educadora Jacqueline Passy, que assessora grupos bnei anussim, acredita que o movimento é visto com receio em Israel, mas que a percepção está mudando. “São pessoas que querem contribuir com o país”, afirma.
Enquanto isso, líderes comunitários enfrentam desafios para garantir que seus membros possam estudar em Israel, já que a seleção para programas de estudos muitas vezes exclui bnei anussim não filiados a congregações tradicionais.
O rabino Chaim Amsalem, que já converteu milhares de bnei anussim, defende que todos com ancestralidade judaica devem ter a oportunidade de se converter. No entanto, sua abordagem é contestada por outros líderes religiosos, que consideram suas conversões inválidas.
A história dos bnei anussim é marcada por um desejo de reconexão com suas raízes judaicas, mesmo diante de barreiras e preconceitos. O retorno ao judaísmo é visto por muitos como uma reparação histórica, uma oportunidade de resgatar uma identidade que foi negada por séculos.
Reflexões Finais
A trajetória dos bnei anussim no Brasil ilustra a complexidade da identidade judaica e os desafios enfrentados por aqueles que buscam retornar a uma fé ancestral. Com um potencial significativo de crescimento, a comunidade bnei anussim continua a se afirmar e a buscar seu lugar dentro do panorama judaico contemporâneo.