
A Praia de Suape, localizada no Cabo de Santo Agostinho, na região metropolitana do Recife, tem sido palco de intensas discussões sobre os impactos das enchentes na vida de seus moradores. O fenômeno das inundações, que se intensificou devido à degradação ambiental e ao desmatamento de manguezais e várzeas, culminou em um dos maiores desastres em maio de 2022, quando chuvas torrenciais afetaram diversas comunidades, incluindo Brasília Teimosa.
Durante o período de pesquisa para meu doutorado em Antropologia, testemunhei de perto como as mudanças climáticas afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. As inundações resultaram na destruição de moradias e na falta de respostas efetivas do governo, aumentando a vulnerabilidade socioeconômica dos moradores. Isso levou muitos jovens, especialmente homens que fazem sexo com homens (HSH), a adotarem estratégias emergenciais de sobrevivência, uma vez que a rede de apoio local se mostrou insuficiente.
A proximidade de Brasília Teimosa com o bairro de classe média alta do Pina, onde a comunidade LGBTQIA+ conquistou visibilidade, facilitou a escolha do trabalho sexual como uma alternativa de subsistência. A literatura acadêmica sobre o tema no Brasil revela que, para muitos desses jovens, o corpo se torna o principal recurso de troca em um cenário marcado pela exclusão econômica e marginalização social, especialmente durante períodos de chuvas intensas.
Desafios e Estratégias de Sobrevivência
O trabalho sexual, ou “michê”, no Brasil, vai além da simples mercantilização do corpo. Essa prática é uma forma de resistência às precarizações sociais, que são acentuadas por fatores como raça, classe e masculinidades hegemônicas. Durante minha pesquisa, percebi que a pandemia de COVID-19, embora ainda presente, era considerada um episódio distante em comparação aos danos causados pelas enchentes de 2022.
Os relatos de moradores de Brasília Teimosa, como Derick, destacam o racismo ambiental, que resulta na segregação de populações vulneráveis em áreas de alto risco e na exclusão de direitos sociais básicos. A moradia, um símbolo de pertencimento e segurança, foi severamente afetada, e muitos moradores expressaram sua angústia em relação à perda de suas casas e pertences.
Allan, outro jovem entrevistado, começou a trabalhar no sexo após as enchentes. Embora não tenha perdido sua casa, ele enfrentou perdas significativas e descreveu a experiência do trabalho sexual como uma forma de reconstruir sua vida. Ele mencionou que, apesar das dificuldades, as relações que formou com seus clientes, muitas vezes descritas como “amigos generosos”, se tornaram uma estratégia de sobrevivência que suaviza a transição entre a prostituição e o afeto.
Racismo Ambiental e Justiça Climática
O racismo ambiental se tornou uma questão central nas discussões sobre justiça climática, especialmente nas Conferências das Partes (COP), que reúnem líderes globais para abordar os desafios das mudanças climáticas. A próxima COP 30, que ocorrerá em Belém do Pará, também abordará essa temática.
As narrativas de Allan e Derick evidenciam a complexidade das experiências de jovens garotos de programa em contextos de vulnerabilidade econômica e ambiental. O trabalho sexual masculino, longe de ser uma resposta individual ao racismo ambiental, é um reflexo de processos históricos marcados por desigualdades de classe, raça e gênero.
É essencial que a Antropologia e os movimentos sociais ampliem seu olhar sobre os efeitos do racismo ambiental, incorporando vozes invisibilizadas nos debates sobre justiça ambiental. Reconhecer as especificidades das experiências da população LGBTQIA+ em territórios periféricos afetados pela crise climática é fundamental para construir narrativas mais inclusivas e enfrentar a exclusão que ameaça essa população.